<i>Ali-babá e os 40 ladrões...</i>

Jorge Messias
Os últimos dias vieram trazer, àqueles que como todos nós se interessam pelo papel determinante desempenhado pelo Vaticano nas áreas da política, da economia e da organização social do mundo moderno, tomadas de posição muito curiosas. Vale a pena recordarmos algum noticiário recente.
Conforme estava previsto (e um tanto à pressa...) reuniu-se o G8, mais conhecido como o Clube dos ricos, constituído pelos países mais industrializados do mundo. O encontro durou três dias, realizou-se em Itália e tinha uma agenda de trabalhos verdadeiramente muito complexa: crise económica mundial, proteccionismos, equilíbrio cambial, alterações climáticas e ajuda a África. Ao fim e ao cabo, ninguém se entendeu e o comunicado final é banal e evasivo. O capitalismo criou um monstro que ameaça agora devorá-lo. E os capitalistas não sabem o que fazer. Pesando os riscos que tudo isto encerra, é uma leitura a ter em atenção.
Ainda que oficialmente o facto não estivesse previsto, a grande vedeta deste encontro de grandes senhores acabou por ser o Vaticano. Com a Santa Sé ali a dois passos, multiplicaram-se as entrevistas e as conversações dos altos responsáveis financeiros e políticos com o Papa. Tudo como se fosse a versão actualizada de «Ali-babá e os 40 ladrões». A caverna dos tesouros foi visitada pelos ladrões.
Vendo bem, se o vedetismo concedido a Bento XVI não estava previsto, a encenação fulminantemente montada aponta em sentido contrário. Desde o primeiro dia do encontro do G8, desde que o Papa, dramatizando, apelou aos crentes para que concentrassem as mentes e orassem, a fim de que os políticos capitalistas tomassem decisões favoráveis a Deus e à Igreja!.. Depois, Bento XVI recebeu os responsáveis máximos do neocapitalismo – nomeadamente Obama – no Vaticano. Por último, tirou da cartola e distribuiu uma nova encíclica sua intitulada «A Caridade na Verdade» (Caritas in Veritate).
É impossível aceitar-se que todos estes cenários não tivessem sido a seu tempo montados.

Conversa cifrada e o «Abre-te Sésamo»

Numa primeira leitura, esta encíclica é simultaneamente frouxa e altamente ameaçadora para os caminhos democráticos ainda abertos à humanidade. Por um lado, nota-se que há uma grande massa de repetição de saber, ou seja, que Ratzinger reedita o palavreado piedoso tantas vezes repisado por ele e pelos seus antecessores. É o caso dos temas do trabalho, da pobreza, da espiritualidade, da ética e da bioética, da caridade, das causas do subdesenvolvimento, etc., etc. Por aqui, nada de novo. Trata-se da técnica da «árvore que oculta a floresta».
Por outro lado, no entanto, o documento deve merecer muita atenção. O Vaticano tem um poder efectivo sobre povos e nações, na política, nas finanças internacionais e nas instituições católico-capitalistas como, aliás, Bento XVI reconhece nesta encíclica «Caridade na Verdade»: «A religião cristã e as outras religiões só podem dar o seu contributo para o desenvolvimento se Deus encontrar também lugar na esfera pública, nomeadamente nas dimensões cultural, social, económica e, particularmente, política». Maquiavel ou Escrivá de Balaguer, diriam outro tanto.
Mas Ratzinger alia as suas propostas à imediata passagem à acção. O Estado nunca deveria estar separado da Igreja. A doutrina social católica deve ser reconhecida como «estatuto de cidadania». A caridade é a via mestra da doutrina social. O mercado não pode exercer uma função social e económica sem que sejam instaladas no Estado formas permanentes de solidariedade e de confiança recíprocas.
Depois, Bento XVI serve o «prato forte» da sua culinária: a ONU não chega, é inoperante; é urgente a reforma da arquitectura financeira mundial: é necessário que as finanças voltem a ser um instrumento que tenha em vista a melhor produção da riqueza e do desenvolvimento. Assim sendo, Bento XVI propõe, do alto da sua cátedra pontifícia, uma «alta autoridade» que disponha de poderes absolutos sobre o funcionamento da ONU e que, literalmente, a refunda.
Ratzinger falava com os 40 ladrões aos quais pregava o abre-te Sézamo que lhes há-de permitir cruzar as portas do Paraíso e encher de novo com tesouros a devastada caverna do capitalismo mundial.
Tarde de mais. Os trabalhadores e os explorados não se deixarão enganar. Os ricos, as grandes fortunas, não abandonarão as suas rivalidades e a ganância que é a sua característica principal. O capitalismo será vencido pela firmeza das lutas de classe.


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